quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Encomenda (miniconto)

Encomendaram-lhe um romance. Ora, já havia publicado um que lhe tomara cinco anos de vida. Assegurara-lhe algum prestígio, mas dinheiro, nada. Nele, esgotara o assunto, não pensava mais em nada que pudesse servir de enredo tão espichado.

A vida passava rápido, as coisas aconteciam de maneira vertiginosa, já não lhe apetecia ficar sentado horas a fio, dias e dias, meses após meses, entra ano, sai ano, tecendo uma trama comprida com os mesmos personagens.

Não, não iria fazer isso de novo. Não tinha paciência. Sentia-se entediado. A partir de agora, suas histórias seriam rápidas, do tipo que as pessoas pudessem ler de uma sentada. Na viagem de ônibus de casa para o trabalho, na sala de espera do consultório médico, na fila do banco. Ou, até melhor, em locais bucólicos como o jardim da praça ou a areia da praia.

Coisas breves, concisas. Não aqueles enredos de linhas paralelas, que às vezes se aproximam mas só vão se encontrar mesmo lá longe, no infinito. Mudaria a geometria da sua escrita. Uma linha não seria mais uma linha cheia, contínua, interminável. Ela agora seria pontilhada: cada ponto, uma história inteira, acabada.

Decidido, pegou o envelope da editora, onde viera a carta de encomenda e o cheque de adiantamento — bem alentado, até —, rabiscou um “recusado, obrigado, mudou de ramo” e foi devolvê-la na agência dos Correios.

Agora, só escreveria contos curtos. Assim seria, pois!

Um comentário:

  1. Carlos Eugênio, li todos os seus minicontos desta página. Não os comento. E não é por falta de caridade cristã (aliás, sou ateu, mas por não ser autoridade na matéria. Devo dizer que só ultimamente comei contato maior com esse tipo de literatura, como sou prolixo... Tenho um amigo que se dedica a eles, vou ver se faço o contato. gostei do seu trabalho. Um abraço.
    Araken Vaz Galvão
    arakenvaz.blogspot.com

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