quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Passos na escada (miniconto)

Gabriel havia se mudado recentemente. Para ter mais sossego em seu trabalho de escritor e também por razões econômicas, transferira-se para um bairro mais central, com aluguéis bem baratos, e onde a casas, antigas, eram menores e algumas delas até geminadas. Como a que Gabriel passou a morar. Igual às suas vizinhas, era estreita e tinha dois andares. Na parte de baixo, havia a sala, um banheiro e a cozinha, ligados um corredor lateral estreito. Entre o banheiro e a cozinha ficava a escada de.madeira que ligava os dois pavimentos. O andar superior era ocupado pelo quarto de dormir, na frente, outro banheiro, o vão da escada e uma saleta nos fundos, onde Gabriel instalou seu escritório. Ali ele passava a maior parte da noite, quando chegava do trabalho, lendo, escrevendo seus textos, fazendo seus estudos, não raro varando a madrugada. Vez em quando, descia à cozinha para se refrescar do calor com um copo de água gelada.

Certo feita, por volta das nove horas ― ele havia chegado mais cedo em casa ―, Gabriel ouviu passos na escada. Eram lentos, cadenciados, como os de um idoso com problemas de locomoção. Assustado, Gabriel arriou o livro sobre a escrivaninha e dirigiu-se ao corredor, acendendo a luz do patamar para ver quem vinha subindo. Ninguém vinha subindo. Arrepiado, ele ainda desceu um lance para confirmar. A escada estava vazia. Ele voltou para o escritório, certo de que talvez a sua imaginação de escritor estivesse indo longe demais.

Na noite seguinte, aconteceu de novo. Os mesmos passos, a mesma cadência, a mesma constatação de que ninguém subia a escada. Mas o medo foi maior. Gabriel ficou assustadíssimo, e passou a noite em claro, fechado em seu quarto, como se uma simples porta trancada tivesse o dom de barrar a visita de uma assombração ou do que aquilo fosse.

Pela manhã, ao sair para o trabalho, arrasado por uma noite insone e sobressaltada, Gabriel encontrou-se com a sua vizinha do lado, uma velha senhora, e contou-lhe o que havia se passado. Ela então lhe disse que, em sua casa, a escada dava para a mesma parede da escada de Gabriel, e que ela costumava se recolher sempre às nove horas. Era o som dos seus passos que, subindo devagar para o seu quarto, reverberava pela parede comum e passava para o outro lado. E a velha senhora ainda lhe fez um pedido:

― O senhor, quando usar a escada no meio da noite, ande sem sapatos. Às vezes eu acordo assustada pensando que é o meu finado marido que vem chegando para me buscar.

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