quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O sonho (miniconto)

O sonho ficou tão comprido, tão esticado, espichou tanto que a sua textura se esgarçou, e então surgiram aqui e ali rasgos de claridade, nesgas de sonoridade, vestígios de materialidade, que ela percebeu que já não mais sonhava. Resolveu acordar. Abriu os olhos de supetão e emergiu na realidade. E esta a recebeu como se lhe aplicasse uma bofetada.

Atordoada, tentou voltar. Cerrou os olhos, procurou lembrar o que esteve sonhando, as últimas imagens, alguns borrões de fantasia, um fio de ficção que fosse. Inútil. A mente já se fechara às recordações oníricas.

O mundo real a sorveu em seu vórtice, e ela, rodopiando, foi jogada contra a plena consciência do que era a sua vida. Levantou-se da cama, foi ao banheiro. Pelo espelho não gostou do que viu. Desejou enfiar-se no vaso sanitário e puxar a descarga. O modo mais abjeto de sumir.

Deixou-se ficar ali por algum tempo, encarando a si mesmo, um resto de tarde entrando pelo basculante. Então, acendeu as luzes sobre a pia e começou a se maquiar. Tratava a vida como um teatro e aquele era o seu camarim. Talvez a persona a protegesse do que havia lá fora. Ou dentro de si mesma. “Ora, o que importa, é tudo a mesma merda!”

Vestiu-se, pegou a bolsa e saiu de casa, mergulhando na noite. Algum cliente a esperava em alguma esquina da cidade.

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