Faltavam quinze minutos para o banco fechar. Severino entrou pela porta giratória do estabelecimento e dirigiu-se ao caixa. O salão estava vazio, mas no balcão alguns funcionários tocavam suas obrigações diárias. Na parede atrás, um relógio marcava as horas.
O rapaz do caixa contava uma pilha de notas. Severino encostou e retirou um cheque do bolso da camisa. A folha estava dobrada e um tanto amassada. Sinal de que o cheque havia sido manuseado algumas vezes. A própria roupa de Severino estava amassada. Havia saído do trabalho. Severino espichou o cheque com a mão no tampo do balcão e o apresentou.
— Um momento, por favor! O senhor não vê que estou contando o dinheiro? Agora, vou ter que recomeçar.
Severino recolheu o cheque e quedou-se a olhar o rapaz contar a pilha de cédulas. Gastara os últimos trocados nos dois ônibus que pegara para o centro da cidade. Agora, ia sacar o dinheiro de seu primeiro salário em vários meses de desemprego e voltar para casa. A despensa há muito estava vazia, mas a família teria algo para comer hoje. Paciência, então.
Poucos minutos depois, contadas umas centenas, não se sabe quantas, de notas, um colega do caixa chegou por trás e entregou-lhe um pacote de papéis, dizendo alguma coisa em voz baixa, que Severino não conseguiu ouvir.
O rapaz virou-se, aborrecido.
— Poxa, eu não consigo terminar de contar esse dinheiro!
Pegou o pacote da mão do colega, com visível má vontade, e colocou-o na gaveta. Juntou de novo as notas e recomeçou a contá-las cuidadosamente, uma por uma, como se receoso de que lhe fossem escapar.
Severino olhou o relógio à sua frente. Minutos já haviam decorrido. Começou a ficar preocupado. Aguardou mais um pouco, alisou o cheque e empurrou-o devagar e cuidadosamente em direção ao caixa.
O rapaz levantou o rosto, lívido, e falou em um tom mais forte.
— Não já disse ao senhor para esperar? Não está vendo que estou contando o dinheiro?
Severino sentiu a rudeza na fala do rapaz e balbuciou, humilde:
— É que o tempo está pass...
O rapaz nem deixou ele terminar:
— Se o senhor está com pressa, se dirija ao outro caixa.
Severino olhou para o lado.
— Mas não tem ninguém no outro caixa...
— Então, o senhor aguarde!
E tornou a juntar o dinheiro, recontando nota por nota.
Lá na parede, o ponteiro dos minutos continuava seu percurso inexorável.
O caixa já contara mais da metade da pilha de dinheiro quando se ouviu a voz do tesoureiro, lá atrás:
— Joel, se adiante com essa contagem aí, para fechar logo o caixa.
— Assim não é possível! Como se pode trabalhar direito sendo interrompido a toda hora? Eu sei das minhas obrigações!
A voz irritada do caixa, respondendo ao tesoureiro, ressoou pelo ambiente. O tesoureiro levantou a cabeça, e outras cabeças se viraram, mas logo voltaram à posição anterior. Cada um cuidava do próprio serviço.
Mais uma vez, o caixa juntou as notas e recomeçou a contagem.
Com pouco, o ponteiro maior do relógio encostou no 12. Mais que rápido, Severino outra vez empurrou a folha de cheque em direção ao rapaz. Ao mesmo tempo, do relógio veio o som do “plim” característico da hora cheia.
O caixa levantou o rosto para Severino e decretou:
— Expediente encerrado! Volte amanhã.
Trancou a gaveta, arriou a janela de vidro, pegou o maço de dinheiro e se dirigiu à tesouraria para recontar as notas.
Severino ficou ali em pé, com o cheque na mão, sem acreditar no que estava acontecendo. Pálido, suando frio, o ex-desempregado, que pedira ao patrão para sair mais cedo do serviço para pegar seu primeiro salário, após meses sem ver a cor de dinheiro, não conseguira o seu intento e voltaria para casa de bolso vazio. Mais uma vez.
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