quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Última cerimônia (miniconto)

Restava a Gonçalves pouco tempo de vida. O médico lhe dera, no máximo, dois meses. A doença, em fase aguda, já corroia as suas entranhas e provocava sintomas que não lhe permitiam quaisquer dúvidas sobre a iminência do desfecho. Porém, Gonçalves cultivava uma enorme curiosidade para saber como seria o seu velório. Quem iria comparecer, quem iria chorar sobre seu caixão, quais seriam os comentários dos presentes sobre a sua pessoa, a sua vida, os seus atos.

Ele era solteiro, mas tinha muitos parentes e uma gama enorme de amigos que fizera ao longo da vida. A sua fama era de ser muito solidário com todos e gostava de freqüentar tantos eventos e cerimônias quantos para tais fosse convidado. Enfim, Gonçalves era uma pessoa muito conhecida. Vaidoso, achava-se conceituado em vários círculos da sociedade.

Preocupado em deixar esta vida sem poder presenciar sua própria despedida e ouvir os aplausos, ele combinou a realização de uma prévia com seu amigo mais chegado, de toda confiança. Este, comovido com o dilema de Gonçalves, acedeu a seu pedido. Providenciou-se a divulgação pela cidade da notícia do pretenso falecimento, e um caixão foi comprado e entregue onde aconteceria o velório, a própria casa do falso defunto.

Já bastante debilitado pela doença e ajudado pelo amigo, Gonçalves vestiu-se a caráter, posicionou-se devidamente no caixão no meio da sala e aguardou os que viriam se despedir.

Apareceu muito pouca gente, uns poucos parentes, outros tantos amigos. Ninguém levou flores nem chorou sobre o caixão. E os comentários que o “defunto” ouviu sobre a sua pessoa não foram muito agradáveis. Gonçalves ficou frustrado, decepcionado, indignado!. Levantou-se do caixão, expulsou todos de casa e tomou uma resolução: quando verdadeiramente morresse ninguém deveria ser comunicado, partiria só. Quando soubessem, já teria ido.

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