quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Academia (miniconto)


Os dois eram muito amigos. Um era mais velho do que o outro, mas como se conheceram já na maturidade, isso não fazia a menor diferença. A literatura os havia aproximado. Ambos eram escritores, tinham livros publicados, textos em coletâneas, escreviam artigos para jornais etc. Poder-se-ia dizer que gozavam de certo conceito nos meios intelectuais locais. O mais velho mais do que o outro, é verdade, por questão de tempo de estrada. Por isso, estava cotado para entrar na academia de letras da cidade. Elogios, tapinhas nas costas e promessas veladas de voto não lhe faltavam.

Os olhos do outro também se espichavam na mesma direção, mas este sabia que as suas possibilidades eram remotas. Primeiro, porque naquele mister antiguidade era posto. E depois, porque o número de acadêmicos era limitado e todos eram imortais. Qualquer vaga na Casa se dava com a morte de um deles. Pelo que se sabia, só um deles se encontrava mais perto da porta de saída. Era o decano. Seria essa cadeira que o amigo mais velho deveria ocupar. Aguardava-se, pois.

Também poderia acontecer de alguém desocupar a vaga mais cedo, com problemas graves de saúde. Afinal, ninguém poderia saber o que acontecia nas entranhas dos outros. Era nessa probabilidade que o amigo mais moço apostava suas fichas.

Os dois fizeram um pacto: assim que o mais velho assumisse o seu lugar na academia, se empenharia em conseguir votos para o outro amigo na primeira oportunidade.

Quis, porém, o destino que todos os acadêmicos, inclusive o decano, gozassem por longo tempo da mais perfeita condição de saúde física e mental. Passaram-se os anos, os dois amigos aguardando cada um a sua vez.

Um feio dia — porque belo na verdade não foi —, o amigo mais velho pegou uma pneumonia galopante e morreu. Disseram as má línguas que foi de tanto ele desafiar as intempéries ao passar diariamente, chovesse ou fizesse sol, pela porta da academia na esperança de avistar um sinal de luto pendente em seu portal.

O outro, duplamente desgostoso pela perda do amigo e pela redução drástica de suas possibilidades de entrar na venerável Casa, caiu em depressão profunda e suicidou-se. Poucos meses depois, por capricho da natureza, algumas frutas maduras do cacho acadêmico foram despencando, uma a uma. Chegou-se ao ponto de haver mais vagas do que candidatos em potencial.

Foi necessário se fazer uma revisão nos estatutos da academia para reduzir os pré-requisitos, permitindo-se, por exemplo, o ingresso de intelectuais residentes em outras localidades. Senão, a Casa teria que encerrar as suas atividades por falta de número legal.

Não fosse a ansiedade, os dois amigos seriam agora confrades na orgulhosa casta de acadêmicos das letras, talvez não imortais, mas seguramente vitalícios.

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