quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Curiosidade (miniconto)

Meu Deus! Quantas vezes eu parei em frente àquela casa e quedei-me a olhá-la. Quantas horas perdi naquela vigília, e a casa sempre fechada. Eu sabia que ali morava alguém, embora não tivesse a menor idéia de quem seria. Esse mistério me atraia tanto que virou idéia fixa. Chegava lá, a qualquer hora do dia e da noite, me plantava encostado no poste do outro lado da rua, olhava e não via ninguém na casa. Nem sequer uma porta ou janela entreaberta, um mero sinal de ocupação que fosse. Uma luz acesa, uma garrafa de leite vazia ou um saco de lixo. Uma mísera correspondência enfiada na caixa. Nada. Mas, no íntimo, eu sabia que ali morava alguém, e algum dia iria descobrir. A curiosidade era muito grande.

Eu dormia, acordava, dormia de novo pensando na casa. Sonhava que alguém abria uma fresta da janela e ficava a me observar do outro lado. E quando atravessava a rua e me aproximava, a janela se fechava. Eu acordava de estalo, suando de frustração. Tomava um banho, me vestia e saía para outra sessão de vigília. Cheguei ao ponto de passar mais tempo em frente à casa que dentro da minha própria. As pessoas que por ali transitavam já me conheciam. No início, olhavam-me curiosas. Porém, com o decorrer do tempo, passaram a me tratar como eu fosse uma figura incorporada ao poste. Como se eu fosse o próprio poste, nem me davam atenção.

Certa noite, sonhei ter recebido em casa um bilhete, colocado sob minha porta. Dizia simplesmente: “Curiosidade pode matar!”. Foi a gota d’água. Agora, eu tinha a certeza que procurava. Da mesma maneira que eu observava a casa, alguém de lá me observava também. Mas, por que aquele aviso, que mais parecia uma ameaça? Alguém se sentia incomodado, e só poderia ser o morador daquela casa. Confesso que, pela primeira vez, senti medo daquele meu ato insano. É, insano, sim. Reconheço. Mas, o que poderia fazer? Algo me puxava para a frente daquela casa.

Ao chegar, naquela manhã, e ver a casa demolida, restando pedras sobre pedras, quase enlouqueci. Não existia mais o objeto de minha atração. Indaguei ao responsável pela obra quem havia ali morado. Ninguém morava ali há anos, foi a resposta. Então, virei as costas e fui procurar outra casa que eu pudesse vigiar.

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